quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Frases Célebres - Fernando Sabino

Cada um citava a sua até esgotar o repertório, ver quem ficava por último. Paricipavam da brincadeira o banqueiro, o colunista social e a vedete. Coube ao banqueiro começar:
- Cheguei, vi e venci - despejou ele.
- Venceu como? - protestou o colunista. - O jogo nem começou!
- Pois é mesmo - tornou o banqueiro: - Estou citando.
- Citando o quê?
- Uma frase de César.
- Ah, eu não tinha ouvido bem.
- Assim não vale - exclamou a vedete: - Tem de dizer tudo: a frase e o nome todo do autor. Isso é de que César? Ladeira ou de Alencar?
O banqueiro fez um gesto de enfado:
- Vocês também não sabem nada de história, como é que pode? É do César mesmo, o imperador romano.
- Teve mais de um - disse o colunista, vindo em socorro da vedete: - Tem de dizer qual.
- Aquele dos raminhos na cabeça: o da Cleópatra.
- Júlio.
- Isso mesmo: Júlio César.
O colunista deu uma gargalhada, como se tivesse apanhado o banqueiro numa armadilha:
- Ora, vai me enganar! Quando é que Júlio César disse isso? Para começo de conversa, ele não falava português.
- Estou traduzindo, seu imbecil, ele falou foi em latim: veni veni veni, qualquer coisa assim.
- Veni veni veni não pode ser: então o que ele disse foi: cheguei cheguei cheguei? A vedete protestou:
- Assim não dá certo. Vamos continuar senão nunca chega a minha vez. Já tenho a minha aqui na ponta da língua. Anda, fala a sua aí, bem.
O colunista limpou a garganta e falou solenemente:
- Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil.
- Quem é que falou isso?
O outro embatucou:
- Alguém falou.
- Não vale! - saltou a vedete: - Perdeu. Agora é a minha vez.
Ergueu o dedo no ar e declamou:
- Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que eu fico! Tiradentes.
O colunista estourou numa gargalhada:
- Tiradentes! Essa não, minha filha: Pedro Primeiro!
- Segundo - corrigiu o banqueiro.
- Ou Segundo, não interessa: o fato é que Tiradentes jamais disse isso.
- Então continuemos: é minha vez - e o banqueiro fez uma cara muito sabida, ergueu as sobrancelhas todo risonho: - Independência ou morte! Pedro Primeiro mesmo.
- Não vale - atalhou a vedete.
- Não vale por quê? Você só sabe falar "não vale"! Tenho certeza de que foi ele.
- Pode ter sido, mas não é frase. Três palavras só!
- E você nunca viu frase de três palavras?
- Acho que ela tem razão - voltou o colunista: - Falta o verbo. Para ser frase tem de ter verbo, como é que se chama mesmo? Predicado. Tem de ter predicado.
Seu rosto se iluminou:
- É isso, meu velho! Onde já se viu frase sem predicado? Esta aí só tem sujeito.
- "Ou" é sujeito? - perguntou o banqueiro, aborrecido.
- O quê?
- Estou perguntando se "ou" é sujeito.
- Sei lá. Predicado é que não é.
- Pois então? - e o banqueiro ergueu os braços, desalentado.
- Vou dizer uma - o colunista fez uma pausa, marcando as palavras com o dedo no ar: - Deixai vir a mim as criancinhas. Vai dizer que essa não vale.
- Getúlio Vargas?
- Não: Jesus Cristo.
- Pois não vale mesmo - decidiu a vedete.: - Dele tudo é célebre, a Biblia inteirinha.
- Está bem, eu falo outra: Quem for brasileiro siga-me! Marechal Floriano Peixoto.
- Você tem certeza? - e o banqueiro o olhou, desconfiado: - Para mim quem falou isso foi um almirante qualquer aí, o Almirante Itararé, se não me engano.
- Foi Floriano mesmo: quando proclamou a República.
- Assim não brinco mais - interrompeu a vedete, amuada: - Vocês dois ficam só discutindo! Agora é a minha vez.
Pensou num instante, repetiu baixinho a frase para não errar e desfechou-a, triunfante:
- O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever! Getúlio Vargas.
Os outros dois olharam, admirados:
- É isso mesmo... Como é que não me ocorreu essa?
- Do Getúlio eu sei uma porção - acrescentou ela, triunfante.
Era a vez do banqueiro. Ele ficou pensando intensamente.
- Não me lembro mais de nenhuma, não - confessou, afinal.
- Se valesse frase minha mesmo, vocês iam ver só - secundou o colunista.
- Então eu ganhei - concluiu a vedete. - E ainda digo mais uma, de lambujem: e de Rui Barbosa, pra variar.
Antes que ela dissesse, porém, os três de súbito ficaram em silêncio, como surpreendidos por um acontecimento qualquer. Era Rui Barbosa, que acabava de dar duas voltas dentro do túmulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pontos de vista